domingo, 13 de julho de 2014

Palestina: Não é uma guerra, é um massacre

Gaza
 Outra vez Gaza
“A causa palestina não é a causa do povo palestino somente, e sim a causa de cada revolucionário, onde quer que esteja, por ser a causa das massas exploradas e oprimidas do nosso tempo”, Ghassan Kanafani (escritor e militante palestino da FPLP assassinado pelo Mossad em 1972).
Esta nova ofensiva sobre Gaza não é mais do que outro ensaio de prepotência gratuito e impune de Israel sobre o povo palestino. Gaza é, entre outros horrores, o ‘campo de testes’ da indústria militar e de segurança israelense, essa que se promove dizendo que “os produtos estão testados em campo” (o campo é a carne do povo palestino). Essa indústria que as empresas israelenses vendem a todos os nossos países, a mesma que treina nossas polícias, forças militares e serviços de inteligência, à qual recorrem, inclusive, os governos “de esquerda” da América Latina.
O seqüestro e assassinato de três jovens colonos em junho (que nenhum grupo palestino reivindicou e que alguns, inclusive, suspeitam que poderia ser uma operação clandestina) tem sido a desculpa que Israel aproveitou para lançar durante três semanas uma operação de castigo coletivo sobre o povo palestino, primeiro sobre a Cisjordânia e agora sobre Gaza.
Várias fontes já provaram que Israel sabia que os colonos estavam mortos e onde estavam seus corpos poucas horas depois do seqüestro, mas ocultou isso (até mesmo dos familiares) para desatar durante duas semanas uma violenta ofensiva na Cisjordânia, com o único objetivo de destruir o Hamas (duas semanas de ter sido alcançado um acordo histórico de unidade entre este grupo e o Fatah). O saldo foi mais de vinte pessoas mortas, dezenas de feridos, centenas de detidos, milhares de casas invadidas e saqueadas e outras tantas completamente destruídas. Acadêmicos, legisladores, personalidades, ex-presos e simples ativistas foram presos por serem membros ou apenas simpatizantes do Hamas.
Como se isso não bastasse, no domingo passado, Israel se lançou sobre Gaza, com a justificativa de “se defender” dos foguetes disparados pela resistência palestina (não necessariamente ou unicamente pelo Hamas), que são simplesmente a reação desesperada ante a barbárie que está sofrendo seu povo. Foguetes caseiros inofensivos que nunca ocasionam vítimas e quase nenhum dano material significativo. Israel tem um eficiente escudo aéreo defensivo e refúgios antimísseis em todas as cidades e povoados próximos à Faixa de Gaza.
Gaza, por sua vez, está totalmente bloqueada por Israel há quase oito anos por terra, água e ar. Não tem escudos antimísseis nem refúgios, nem uma única via de saída, porque também o Egito fechou a passagem de Rafah. 1,6 milhão de pessoas (uma grandíssima parcela formada por menores de idade) estão presas sem escapatória possível, à mercê dos bombardeios israelenses (cerca de 400 por dia), em uma faixa estreita de cerca de 350 quilômetros quadrados, sem água potável, sem eletricidade, quase sem combustível nem materiais médicos para que os hospitais e as ambulâncias atendam a todas as pessoas feridas. Até a tarde do dia 9 de julho, já havia 53 vítimas fatais em Gaza e cerca de 500 pessoas feridas. E os números sobem a cada hora.
As vítimas em Israel são… zero. E isso é a melhor prova de que isso não é uma guerra nem uma troca de fogo cruzado, como nos querem fazer crer a narrativa israelense e a maior parte da imprensa ocidental: é um massacre perpetuado pelo quarto exército mais poderoso do mundo sobre a área mais densamente povoada do mundo e sobre um povo que não tem nem nunca teve um exército nem aeronáutica nem marinha e que há quase 70 anos resiste (majoritariamente por meios não violentos) ao regime de ocupação militar e colonização racista mais brutal e prolongado do século XX e o único que perdura no sáculo XXI com a impunidade e a legitimidade que lhe outorga o mundo “civilizado”.
Os poderes ocidentais e os meios de comunicação de massa, ao contrário de todas as resoluções do direito internacional e da ONU (que Israel viola sistematicamente, fato que essa mídia ignora), seguem repetindo a narrativa sionista de que “Israel tem o direito de se defender”. O usurpador, ocupante da propriedade alheia, apresenta-se como vítima e afirma seu direito de se defender da natural e justificada reação dos colonizados e oprimidos há quatro ou cinco gerações, então convertidos em infratores. E o mundo lhe dá razão.
Isso segue ocorrendo periodicamente porque Israel não teve que pagar, até agora, nenhum preço por suas reiteradas e cotidianas violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Depois da operação “Chumbo fundido” (2008-2009) que deixou 1400 vítimas em Gaza em vinte dias de bombardeios, o Relatório Goldstone, da ONU, declarou Israel culpado de crimes de guerra. Mas a comunidade internacional ignorou, o Conselho de Direitos Humanos da ONU o arquivou, e não tomou nenhuma medida para punir Israel. Por isso, é necessário olhar para a crise atual em perspectiva e não cair na armadilha de “quem disparou primeiro” (um foguete caseiro ou um poderoso míssil), sem recordar que, nas palavras de Frank Barat, coordenador do Tribunal Russell sobre a Palestina: “Israel declarou guerra contra o povo palestino em 1947/1948, quando fez uma limpeza étnica da maioria da população de sua terra natal. Isto tem que ficar claro e ser repetido constantemente nos momentos em que os analistas questionam ‘Quem começou?’. Enquanto Israel continuar com suas políticas de ocupação, colonização, limpeza étnica e castigo coletivo, não tem nada do que se queixar. Os palestinos vão resistir por todos os meios possíveis e têm o direito de fazê-lo”.
De fato, vale à pena recordar que a Resolução 3101 da Assembleia Geral da ONU (de dezembro de 1973) afirma o direito dos povos sob dominação colonial e estrangeira, e sob regimes racistas, a lutar por sua autodeterminação. A Palestina se defende como pode, e não só tem o direito, tem também o dever de fazê-lo.
E como disse Samah Sabawi, escritora e ativista palestina exilada na Austrália: “Quando fizerem as contas, quando contarem os foguetes palestinos caindo em Israel, ou as bombas israelenses caindo sobre Gaza, quando contarem os palestinos mortos ao longo dos últimos anos e os mortos israelenses, e as pessoas feridas, por favor não esqueçam de contar os minutos, as horas, os dias, e os anos de ocupação. Todos e cada um dos dias que os palestinos nasceram e morreram sem cidadania, todos e cada um dos dias que viveram sem direitos, sem sonhos, sem trabalho, sem água, sem terra, sem casa… Não esqueçam de contar o tempo… o tempo que os palestinos perderam à mercê da ocupação militar mais longa, mais brutal e mais opressora do mundo”.
Por María Landi
Publicado originalmente em http://mariaenpalestina.wordpress.com
Traduzido especialmente por Alvaro Neiva para www.insurgencia.org

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