sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O direito desportivo e sua respectiva Justiça: uma breve explicação


O Direito Desportivo é reconhecido pela sua especificidade. 

Doutrinadores da área dizem que ele é um ramo autônomo, por conter sua própria disciplina, legislação e doutrina. Ele funciona por conta própria: tem seus tribunais, seus advogados, seus procedimentos, e, o que mais o torna peculiar, seu objeto, que é o desporto. No entanto, ele não é independente no sentido de que é intimamente relacionado aos outros ramos do direito, um vez que suas normas são muitas vezes emprestadas das outras áreas para o direito desportivo. As pessoas que com ele trabalham, portanto, devem ter um conhecimento geral das diversas outras áreas do direito.

É inegável que o desporto é algo presente na vida de todas as pessoas, sem exceção, seja de modo direto ou indireto, seja um praticante ou um mero espectador. Em função de toda a importância social, econômica, comercial, educacional e cultural que o desporto traz consigo, o Estado se viu obrigado a trata-lo como uma questão jurídica, de modo a regulamentá-lo assim como fez com diversos outros fenômenos da sociedade.

Deve-se destacar que o termo “desporto” jamais deve ser confundido com “esporte”, uma vez que este está ligado a modalidade praticada, enquanto o “desporto” é um conceito maior: é a atividade humana da qual se exige esforço físico e que segue um conjunto de regras específicas. De acordo com ensinamentos do professor da PUC-SP Roberto Armelin, o desporto é essencialmente caracterizado por três elementos: a competição, a imprevisibilidade e a observância a determinadas regras. A infração a um destes elementos é que gera os problemas levados à Justiça Desportiva.

Historicamente, o desporto foi englobado, mesmo que timidamente, por Constituições anteriores à dos dias de hoje. Mas o verdadeiro tratamento jurídico ao desporto veio mesmo na nossa Lei Maior de 1988: além de algumas palavras soltas em certos artigos, temos como mais importante o artigo 217, que determina como papel do Estado o fomento às atividades desportivas, dando o devido tratamento às atividades profissionais e às não profissionais, e concedendo autonomia às entidades desportivas. No § 1º e § 2º, no entanto, é que temos realmente o objeto de discorrimento deste texto: a Justiça Desportiva. O primeiro dispositivo dita que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à infração a um daqueles três elementos do desporto supracitados, quando as instâncias jurídico-desportivas estiverem esgotadas (situações envolvendo atletas em sua vida pessoal, por exemplo, não são de competência da Justiça Desportiva), enquanto o § 2º estabelece o prazo máximo de sessenta dias para se proferir uma decisão final, uma vez que as competições têm calendários inadiáveis que não podem esperar por muito tempo as decisões dos Tribunais Desportivos. É nesse momento, portanto, que se torna clara a existência de uma Justiça destinada ao desporto, comprovada justamente pelo fato de que, mesmo os tribunais desportivos não fazendo parte do sistema judiciário estatal, a sua competência está garantida na Constituição Federal.
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Após isso, foram criadas diversas leis infraconstitucionais para se regular o desporto todos os seus aspectos e modalidades. Pelo fato de no nosso país o futebol ser a modalidade desportiva mais popular, a lei que veio para regular o desporto se chama Lei Pelé (Lei 9.615/98, com reformas em 2000, 2003 e 2011). A Justiça Desportiva está presente nesta extensa lei em seu artigo 50 até o 55. O quinquagésimo artigo dita que ficará a cargo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva a sua organização, funcionamento e atribuições, estas que o próprio artigo define como “limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas”. O 52° traz um pouco da estrutura da Justiça Desportiva, composta pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, pelos Tribunais de Justiça Desportiva e Comissões Disciplinares, devendo estes julgarem sempre de acordo com as normas previstas no CBJD. E é justamente sobre isso que será tratado a seguir.


De acordo com Scheyla Althoff Decat, a Justiça Desportiva é “uma instituição de direito privado dotada de interesse público, tendo como atribuição dirimir as questões de natureza desportiva definidas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, formada por um conjunto de instâncias autônomas e independentes das entidades de administração do desporto”[1]. A jurisdição desportiva, por sua vez, é “o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos na legislação desportiva”[2].

Dissecando o início do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, podemos trazer algumas informações sobre a estrutura e funcionamento da Justiça Desportiva, para melhor entende-la. De início, deve-se lembrar que ela não faz parte do Poder Judiciário, o que nos faz concluir que não há a atuação de juízes. Ela, na verdade, faz parte da estrutura do Ministério dos Esportes. O art. 1 do CBJD define quem está submetido ao Código: A) entidades de administração do desporto; b) ligas; c) entidades de prática desportiva; d) os atletas; e) árbitros e assistentes; f) dirigentes, administradores, treinadores, médicos e membros de comissão técnica; g) as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto.

O art. 2°, por sua vez, é a prova da forte relação do direito desportivo em relação às outras áreas, neste caso com o Direito Processual Civil, uma vez que princípios processuais são emprestados deste e adaptados aos moldes do desporto. Dentre eles estão o da ampla defesa, da celeridade, o do contraditório, a economia processual, da impessoalidade, da legalidade, entre outros. Há também os princípios próprios da Justiça Desportiva, como o da a) independência, definindo que ela deve atuar de maneira alheia às entidades de administração do desporto, exigindo apenas uma manutenção da estrutura de seu espaço físico; b) o da tipicidade desportiva, que determina que as condutas geradoras de sanções estejam discriminadas no CBJD; c) o princípio pro-competitione, que preza sempre pelo bom andamento da competição, ou seja, que as decisões da Justiça Desportiva a afetem o mínimo possível; d) e, por fim, o princípio do fair play, que prevê a presença do “jogo limpo, espírito esportivo e ética desportiva como parte inerente e indissociável do próprio jogo”, como bem diz o doutrinador Álvaro Melo Filho em seu Código Comentado.

A estrutura da Justiça Desportiva, descrevendo cada órgão que a compõe, está englobada pelos artigos 3º até o 8º. Temos como tribunais o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que é como se fosse o órgão máximo (às vezes se pode recorrer às instâncias internacionais) atuando em âmbito nacional e estadual, e os Tribunais de Justiça Desportiva, que atuam em âmbito regional e municipal. Existe um STJD para cada modalidade de esporte, estando ele ligado à entidade máxima de cada uma desta modalidade, porém independente desta (O STJD do Futebol funciona junto à CBF, o STJD do Basquete funciona junto à CBB). O mesmo acontece com os TJDs, só que em um âmbito reduzido (O TJD do Futebol do Paraná funciona junto à Federação Paranaense de Futebol). Internamente, o STJD e os TJDs são compostos pelo Pleno, Comissões Disciplinares e suas respectivas Procuradorias.

Estas Comissões são a primeira instância da jurisdição desportiva. No STJD, elas são acionadas em casos em que foi descumprido o regulamento do torneio da sua respectiva modalidade, em âmbito nacional ou estadual. Podem haver quantas Comissões forem necessário, e cada uma é composta por cinco auditores, escolhidos a dedo pelo Pleno (que será explicado posteriormente). Nos TJDs não é muito diferente, exceto que só podem apreciar casos envolvendo competições regionais ou municipais.

O Tribunal Pleno do STJD, maior órgão dentro do Superior Tribunal, é composto por nove auditores (não remunerados, lembrando que não existem juízes na Justiça Desportiva): a) dois indicados pela entidade nacional de administração da modalidade, a CBF no caso do futebol; b) dois indicados pelas entidades que praticam a principal competição nacional da determinada modalidade, como os clubes, no exemplo do futebol; c) dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil; c) um representante dos árbitros; d) e dois representantes de atletas. Em âmbito regional ou municipal, há o Pleno dos TJDs, no qual a distribuição dos auditores é idêntica, só que onde se diz “nacional”, deve-se alterar para “regional”.

A Procuradoria Desportiva é regulada tanto pelo CBJD, quanto pelo próprio regimento interno do seu respectivo órgão e pelo Estatuto da entidade máxima do respectivo desporto. Sua atribuição é fiscalizar e, se necessário, denunciar infrações aos dispositivos do Código. Fazendo uma analogia, seria como uma espécie de Ministério Público, obviamente guardando-se as devidas proporções. Cada Procuradoria funciona sob a batuta de um Procurador Geral, eleito por votação do Tribunal Pleno do órgão. Os procuradores, dentre suas funções, provocam o início do processo ao distribuírem as denúncias, interpõem recursos, além de emitirem pareceres nos processos aos quais estejam vinculados (funções elencadas no art. 21 do CBJD).

Em relação às instâncias da Justiça Desportiva, o CBJD determina a existência de três, dispostas da maneira a seguir. A primeira são as Comissões Disciplinares, às quais cabe processar e julgar infrações disciplinares cometidas por sujeitos submetidos ao CBJD, salvo em casos de competência originária dos Tribunais (dispostos nos arts. 25 e 27). A segunda instância (grau de recurso), por sua vez, é, enfim , de competência dos Tribunais (STJDs e TJDs), que julgam recursos interpostos em face às decisões das Comissões Disciplinares. A terceira instância é apenas do STJD, que recebe os recursos também de decisões finais dos TJDs, quando nestes houve o esgotamento da matéria.

Em seguida, faz-se necessário a colocação de breves questionamentos, uma vez que as discussões que se têm tido em relação à Justiça Desportiva nos dias atuais são infinitas. Seria ela um óbice ao princípio do acesso à justiça? Mas, ao mesmo tempo, é adequado permitir que a Justiça Comum reforme, com diversas liminares, as decisões da Justiça Desportiva? Qual seria o sentido desta sendo que toda decisão dela advinda não tem força de coisa julgada? Ademais, quando irá acabar esta bagunça em relação aos estatutos, definindo de vez qual lei desportiva deve prevalecer? Seria a instauração da arbitragem um bom caminho para se solucionar de maneira mais célere e eficaz as lides do desporto? Estas e muitas outras questões é que fazem parte do dia a dia dos (poucos) doutrinadores do direito desportivo, e que estimulam aqueles que buscam um dia estar trabalhando com este.

Por último, um parágrafo repleto de lirismo explicando o fascínio pelo direito desportivo. “O direito, de um modo geral, mexe com a liberdade, mexe com o bolso, mexe com o poder. Exceto o direito desportivo, que mexe com paixões, com o inconsciente, com o que faz uma pessoa, em pleno exercício de sua liberdade, gastar do seu bolso, e sentir o poder que é o grito de uma torcida. ‘A paixão é o que nos move’, como já diz o ditado popular”.

FONTE: Publicado por Pedro Wambier 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Manifestante, bandido e terrorista

O manifestante tem direito e liberdade de criticar, de se reunir, de protestar, ainda que isso cause certa “desordem pública”...

 
Manifestante é manifestante, bandido é bandido e terrorista é terrorista. O legislador e a polícia estão confusos (por ignorância ou por má-fé) e não estão sabendo distinguir o joio do trigo. Manifestante legítimo, que está descontente com sua situação salarial ou com a brutal desigualdade aqui implantada ou com sua crise de governabilidade do país, que não lhe oferece serviço público de qualidade (educação, saúde, transportes etc.), não é bandido, porque ele não faz uso da violência, não sai por aí quebrando bens públicos ou privados, não usa máscara e não recebe nenhum dinheiro para jogar no time do “quanto pior melhor”. O manifestante tem direito e liberdade de criticar, de se reunir, de protestar, ainda que isso cause certa “desordem pública” (no trânsito, nas vias públicas). O projeto que criminaliza genericamente a desordem pública é mais reacionário que a legislação da ditadura militar e aniquila todas as liberdades duramente conquistadas pelo povo.

Bandido é outra categoria, é o que sai mascarado quebrando tudo que vê pela frente, é o que não respeita nem coisas nem pessoas, é o que ganha para promover a quebradeira geral, é o que criminosamente dispara rojões para matar pessoas. Os bandidos são contra a democracia, não querem dialogar e usam a violência como meio de protesto. Devem ser reprimidos, não há dúvida, mas para isso não necessitamos de novas leis penais, o que sempre dá ensejo ao charlatanismo dos legisladores oportunistas, que vivem em busca de gente tola que acreditem neles nesse terreno do “combate” (falacioso) à criminalidade e à violência.

Bandidos comuns, como os que mataram o jornalista Santiago, não têm nada a ver com o terrorismo, que exige não só uma estrutura organizacional sofisticada como uma motivação ou finalidade especial (política, separatista, racista, religiosa, filosófica etc.). Todo terrorista é um homem/mulher-bomba (real ou potencial), mas nem todo homem/mulher-bomba ou que solta bomba é um terrorista. O legislador brasileiro, que já enganou todo mundo várias vezes com suas leis penais vigaristas, que nunca diminuíram a criminalidade, se esquece que “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos o tempo todo” (Abraham Lincoln).

De 1940 a 2013 o legislador aprovou 150 novas leis penais, sendo 72% mais severas. Essa política pública está errada, porque não reduz o crime. Todo mundo viu e filmou o rojão que matou Santiago, menos a polícia, que não tem treino para agir preventivamente. Espera-se a morte chegar para depois reagir. O grande erro é não termos políticas públicas de prevenção do delito, tal como fazem os países de capitalismo evoluído e distributivo (Dinamarca, Canadá, Japão, Coreia do Sul etc.), fundado na educação de qualidade para todos, na ética e no conhecimento científico.
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LUIZ FLÁVIO GOMES, 56, jurista.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Dalmo Dallari

Salário mínimo: prioridade da dignidade humana

Nas obras que tratam dos direitos sociais e nas que se referem especificamente ao Direito do Trabalho é comum encontrarem-se referências ao salário-mínimo como uma das mais importantes conquistas da classe trabalhadora. No Brasil o salário-mínimo foi implantado gradativamente, a partir de 1930, pelo governo Getulio Vargas, que estabeleceu, inicialmente, que os trabalhadores deveriam receber, pelo menos, um salário-mínimo que cobrisse o custo de dez cestas básicas regionais, de gêneros alimentícios. Depois disso, a Lei n° 185, de janeiro de 1936, fixou normas mais pormenorizadas e, finalmente, pelo Decreto-Lei n° 5452, de 1° de maio de 1943, foi feita a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inspirada na Carta del Lavoro, da Itália, ficando estabelecido que os trabalhadores tinham direito a um salário-mínimo que deveria ser suficiente par atender às suas necessidades mínimas. Hoje a matéria está consagrada na Constituição, no capítulo que trata dos Direitos Sociais, dispondo o artigo 7°, cláusula IV, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais «salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,capaz  de atender a suas necesssidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim». 
Esse direito fundamental, que está diretamente ligado à satisfação das necessidades físicas e sociais do trabalhador, assim como à sua dignidade, foi realmente uma conquista, que tem sua origem na segunda metade do século 19. O desenvolvimento econômico, sobretudo da área industrial, levou à formação de um numeroso segmento social, identificado como classe trabalhadora, que de início não tinha qualquer direito reconhecido e que em decorrência de denúncias e reivindicações, que incluem as obras de Marx e a enclíclica Rerum novarum do papa Leão XIII, acabou conquistando direitos básicos, entre eles o salário-mínimo. Os primeiros países a consagrarem esse direito foram a Austrália e a Nova Zelândia, no final do século 19, e depois, já no século 20, com a ampliação dos direitos dos trabalhadores, a concepção do salário-mínimo como direito fundamental dos trabalhadores foi acolhida por quase todos os sistemas jurídicos. 
Por tudo o que foi exposto, é surpreendente que na Alemanha somente agora se esteja buscando a adoção de um salário-mínimo nacional, tendo a chanceler, Angela Merkel, anunciado que ele será implantado a partir de 2015, dando às empresas um prazo até 2017 para se adaptarem a essa exigência. Segundo se tem noticiado, membros da coligação partidária que garante a maioria parlamentar à chanceler, mais ligados ao empresariado, ainda resistem à ideia, e muitos empresários alemães estão alarmados pelas possíveis consequências dessa inovação, por entenderem que o aumento do salário-mínimo irá aumentar o custo da produção e dos serviços, reduzindo o poder de competição das empresas alemãs. É interessante assinalar que a reivindicação do salário-mínimo veio crescendo nos últimos anos, em decorrência da constituição da União Europeia e da movimentação de empresas no espaço europeu. Existe mesmo uma reivindicação da criação de um salário-mínimo europeu, mas são muitas as resistências.
Entretanto, dando um passo importante no sentido de assegurar condições mais justas de trabalho em toda a Europa, a Comissão Europeia editou, em 16 de dezembro de 1996, uma diretiva fixando parâmetros para a movimentação de trabalhadores, dispondo que os salários não poderão ter efeitos discriminatórios entre os membros da Comunidade Europeia nem devem ser desproporcionados. Certamente, a pressão da Comissão Europeia pesou na decisão da chanceler alemã, sendo interessante registrar que essa decisão de Angela Merkel foi objeto de manifestação muito favorável do presidente francês, François Holande. Isso porque nas última décadas algumas grandes empresas francesas da área de construção civilpassaram a realizar obras na Alemanha e, como o padrão salarial francês nesse campo é bem inferior ao alemão, elas poderiam oferecer preços melhores do que as concorrentes alemãs, pelo menor custo das folhas de pagamento. Em reação a isso, uma lei federal alemã, de 26 de fevereiro de 1996, estabeleceu que as empresas estrangeiras que atuam na Alemanha estão obrigadas a pagar aos trabalhadores um salário-mínimo fixado pelo governo alemão por área de atividade e não o salário do país de origem das empresas. Em termos práticos, uma empresa francesa que estiver realizando obras na Alemanha está obrigada a  pagar aos seus trabalhadores um salário-mínimo de valor elevado, fixado pelo governo alemão.
Hoje a União Europeia é integrada por 28 países, e desses 21 já adotaram o salário-mínimo nacional e a Alemanha será o vigésimo segundo. A divulgação dos avanços e a  pressão de organismos nacionais e  internacionais que atuam na promoção e defesa dos direitos humanos já contribuíram para que acima dos interesses econômicos de países e empresas seja colocada a dignidade humana do trabalhador, seja ele de que nacionalidade for e seja qual for o país em que ele esteja trabalhando.  Isso faz parte da universalização dos Direitos Humanos.
* Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr, sdallari@uol.com.br.
Fonte:Jornal do Brasil

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A volta do Pelourinho
Nosso país não precisa de milícias ou grupos de extermínio, mas de educação, segurança, distribuição de renda e igualdade de direitos
A foto de um adolescente negro, deixado nu, sangrando após golpes de capacete e amarrado a um poste por uma trava de bicicleta correu o mundo. Ressuscitou-se o Pelourinho 125 anos após "o fim da escravidão", para regozijo de quem sempre está pronto para empinar o chicote e fazer justiça com as próprias mãos. Como se essa violência não gerasse mais violência e insegurança, em nome da segurança. Querem substituir o Estado pela barbárie.

Diante da gravidade do fato, em vez de negar a barbárie, a jornalista Rachel Sheherazade, no jornal do SBT, em horário nobre, não só achou justificável a ação dos 30 justiceiros, como estimulou a atitude do que ela chamou de "vingadores". Ou seja, milícias, gangues e bandos que operam à margem da lei.

O que é isso senão apologia ao crime, à tortura, ao linchamento, ao justiçamento? Em seu editorial, em busca de audiência e navegando no senso comum e no desespero da população com a violência, a âncora conseguiu violar a Constituição, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), todas as convenções de defesa dos direitos humanos, o código de ética dos jornalistas brasileiros, o Código Penal e o Código Brasileiro de Telecomunicações e ainda debochou: quem se apiedou do "marginalzinho" que adote um "bandido".
Por isso representamos a jornalista e o SBT junto ao Ministério Público Federal e Estadual (SP). O SBT afirmou que não se responsabiliza pelas declarações de seus âncoras, já de olho nas consequências legais. A jornalista afirmou que as críticas representavam censura. Refugiam-se covardemente na liberdade de imprensa e de opinião, mas sabem que as leis não amparam apologia ao crime, à tortura e ao linchamento.

Por outro lado, o SBT sabe que rádio e TV operam por meio de outorgas concedidas pelo Ministério das Comunicações e aval do Congresso Nacional. Não é mera propriedade privada, como querem que acreditemos. A emissora tem sim responsabilidade sobre o que apresenta e o Ministério das Comunicações e o Congresso Nacional não podem se omitir em exercer sua prerrogativa de fiscalizar as concessionárias.

Na Alemanha de Hitler, muito antes da guerra, os nazistas formaram grupos paramilitares, milícias aterrorizadoras (os Freikorps) que massacravam "inimigos" (judeus, comunistas, minorias), detonaram o monopólio da força pelo Estado e levaram o ditador ao poder. E deu no que deu. Aqui, o inimigo dos Freikorps do bairro do Flamengo são os jovens, negros e pobres, infratores ou não. Negam o Estado democrático de Direito e pretendem, com a criação de força paralela, com tortura e eliminação física, enfrentar a delinquência esquecendo o sistema que a gera. As históricas desigualdades e injustiças não podem ser resolvidas pela barbárie, mas pelo acolhimento do Estado.

Defendemos a total liberdade de opinião. Mas, é um retrocesso entender que incitação ao crime está resguardada pela liberdade de expressão. O compromisso constitucional brasileiro é com a construção de uma sociedade fraterna, justa e solidária. Nosso país não precisa de milícias ou grupos de extermínio. O que precisamos é de mais educação, política social, segurança pública, distribuição de renda e igualdade de direitos. Única maneira de se conseguir a paz.

Enquanto houver Democracia, o Judiciário é a esperança

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