terça-feira, 26 de maio de 2015

Brasil: 12º mais violento do planeta

Se a tolice não fosse também uma característica humana (faz 70 mil anos que o Homo Sapiens aprimorou sua linguagem, com a Revolução Cognitiva, para expressar coisas que não existem, nas quais os humanos acreditam), [1] jamais os demagogos populistas seriam capazes de nos “vender” o mito da segurança grátis.[2] A construção de sociedades razoavelmente civilizadas e seguras exige muito planejamento, políticas preventivas eficientes, excelente escolarização de todos, muitos custos e gastos bem orientados, certeza do castigo e um gigantesco pacto nacional (a segurança é assunto de cada um e de todos nós).
 
Três modelos de sucesso: 1º) países escandinavos (com 1 assassinato para cada 100 mil pessoas); 2º) EUA (4 para cada 100 mil); 3º) alguns países asiáticos (2 para cada 100 mil). O que esses países de sucesso em matéria de criminalidade nos ensina? Que não se faz omelete sem quebrar ovos. Na economia, o neoliberal Milton Friedman cunhou a famosa frase que diz:“There is no such thing as a free lunch” (não existe esse negócio de almoço grátis).
 
Em que consiste o mito da segurança grátis? É o que promete distribuir segurança e tranquilidade para todos com a mera edição de uma nova lei ou reforma penal, sem custos para ninguém. O legislador brasileiro de 1940 a 2015 já promoveu 156 reformas penais (das quais, 75% são leis mais duras) e a criminalidade nunca baixou (ao contrário, só aumenta: em 1980 tínhamos 11 assassinatos para cada 100 mil pessoas; fechamos 2013 com 28,2). O legislador não é o único, mas é o grande responsável pela “venda” do “mito da segurança grátis”, que acredita na força (repressiva e preventiva) da alteração legislativa como “solução” para os graves problemas da (in) segurança pública.
 
Essa política nefasta e infértil (os resultados estão aí para comprovar sua ineficácia) já teria sido extirpada do solo brasileiro se as massas rebeladas (objetivamente indignadas) não caíssem esporádica ou frequentemente na tolice de acreditar no mito da segurança grátis. O Brasil não tem conseguido sair do atoleiro do semi-desenvolvimento (continua na vergonhosa posição 69ª no ranking mundial do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano). Um dos termômetros desse sub ou semi-desenvolvimento é a questão da insegurança pública, que é alimentada por uma trágica criminalidade galopante (mais violenta nos criminosos das classes populares e mais corrupta e fraudulenta nos criminosos das classes dominantes).
 
Existe muita coisa de particularmente errado na formação histórica da sociedade brasileira (permissiva, anômica, não cumpridora das leis etc.), mas nada se compara com as classes dominantes (lideranças extrativistas) que a governa. São sucessivos governos de mau uso do dinheiro público: perdulários, preservadores de privilégios, fisiologistas, patrimonialistas, corruptos etc.
 
Não é por acaso que o Brasil é o 12º país mais violento do planeta. Esse é o resultado encontrado no levantamento do Instituto Avante Brasil, dentre 185 países, com dados de 2011, 2012 ou 2013 (fontes: UNODC e Ministério da Saúde, Datasus). Entre os 10 mais violentos, 9 estão na América Latina e Caribe, com exceção da África do Sul. São eles: Honduras, na primeira posição por mais um ano (2013: 84,3 mortes para cada 100 mil habitantes), Venezuela (53,6), Belize (45,1), Jamaica (42,9), El Salvador (39,8), Guatemala (34,6), São Cristóvão e Nevis (33,4), África do Sul (31,9), Colômbia (31,8) e Trinidad e Tobago (30,2). Em comum, todos esses países registram alta taxa de desigualdade econômica e social, escandaloso índice de corrupção e baixa escolaridade. O Brasil (em 2013), atrás de Bahamas, registrou uma taxa de mortes de 28,2 por cada grupo de 100 mil habitantes. Em números absolutos, está na primeira posição isolada, com 56.804 homicídios (de acordo com o Datasus).
 
Os países considerados menos violentos estão em sua maioria na Europa e na Ásia. Liechtenstein e Andorra dividiram a primeira posição com nenhum homicídio nos anos disponíveis. Em seguida vêm Luxemburgo (0,2), Islândia (0,3), Cingapura (0,3), Japão (0,3), Brunei (0,5), Bahrein, Eslovênia (0,5) etc. (são 78 países com mais de 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas; 106 com 5 ou menos). Todos esses países se encontram no grupo do IDH elevado ou muito elevado, têm baixo ou médio índice de corrupção, pouca desigualdade econômica e social e bons ou ótimos índices de escolaridade. Os países com até 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas possuem essas características; eles comprovam que não existe o mito da segurança grátis. Nos comportamos de forma muito tola quando acreditamos nesse mito.
 
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas].

quarta-feira, 6 de maio de 2015


 Como eliminar o Judiciário da nossa vida?


Luiz Flávio Gomes
Para resolver o problema do Poder Judiciário (morosidade, estrutura deficiente, má-gestão etc.), a melhor coisa é eliminá-lo (o máximo possível) da tarefa de julgar os conflitos da vida diária. Judiciário deve ser como um remédio muito amargo: só se usa em caso de absoluta e imperiosa necessidade. Temos que incentivar a mudança de mentalidade assim como a resolução alternativa dos conflitos. Impõe-se cumprir o Preâmbulo da Constituição que fala em “solução pacífica das controvérsias”. Pacificar não é guerrear. Guerrear, salvo em caso de absoluta necessidade, é coisa de povos que não sabem dialogar.


O litígio judicial tem que ser a última coisa a se pensar na nossa vida. O novo Código de Processo Civil adotou esse espírito: primeiro tenta-se conciliar; só em último caso devemos litigar judicialmente. Na mesma linha está o projeto que regulamenta a mediação, aprovado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A soma de milhões de acordos (ainda que imperfeitos) nunca será tão traumática e deletéria como uma dezena de processos judiciais (cada vez mais lotéricos e jurisprudencialmente exotéricos – verdadeira jurisIMprudência).


A função prioritária do advogado, no terceiro milênio, não tem mais nada a ver com a processualística (sim, com a mediação, conciliação, com o acordo). Inclusive no campo criminal essa é uma tendência mundial (por meio, por exemplo, da colaboração premiada, que tratei no nosso livro Organizações criminosas, Juspodivm, no prelo). Seus honorários devem ser ganhos prontamente, logo que concluído o acordo (seja no cível, seja no criminal). Tampouco as faculdades de direito deveriam insistir nesse espinhoso caminho da formação para o litígio judicial. A maior parte do tempo, nas faculdades, os alunos passam aprendendo a litigar (daí a relevância ímpar das disciplinas processuais). Nada é mais incompatível com o mundo contemporâneo (em que tudo é líquido e transitório – conforme Bauman -, salvo o processo judicial, que continua sólido em suas incongruências e extremamente demorado em sua temporalidade). O advogado não pode mais se formar pensando só em litigar. Litígio judicial somente em casos absolutamente raros. O locus primordial para a resolução dos conflitos não pode ser o fórum, sim, os escritórios.
 
Ouvido o cliente, não tem mais o advogado que já começar a pensar nas teses jurídicas que serão defendidas. As duas partes (ou os dois advogados) devem dialogar. Diálogo pelos próprios advogados ou por meio de mediadores. Cada escritório tem que se transformar num núcleo de mediação. O escritório é o campo da pacificação. Não se trata mais de desde logo tentar adequar os fatos à lei (teoria da subsunção). O novo é demarcar as divergências e buscar a conciliação (faturando prontamente seus honorários pelos serviços prestados). Da cabeça adversarial traslada-se para o mundo da resolução alternativa dos conflitos (conciliação, mediação e advocacia colaborativa). Busca-se assim uma solução, não uma decisão (que pode ser pior que o litígio). O novo mundo do advogado consiste em saber muita coisa sobre as teorias do conflito, psicologia, neurociência, técnicas de negociação, táticas comunicacionais, diálogo, resolução alternativa e paz individual e social. Decidir um litígio não é resolver um conflito humano.

O que o mundo contemporâneo espera do advogado é que tenha habilidades para gerir conflitos. Deve ser um “resolvedor de conflitos” (Olívia Fürst, O Globo), não um criador de problemas processuais. Tudo o que as pessoas mais querem é que seus problemas sejam resolvidos, não judicializados (muito menos eternizados, sem nenhuma garantia de que o resultado não será uma loteria). Os conflitos não devem ser abordados com instrumentação estritamente jurídica (que é emocionalmente penosa, financeiramente custosa e lotericamente não auspiciosa). Nas Cartas Persas Montesquieu narra a história dos trogloditas que procuraram eleger um juiz para resolver seus problemas porque eles não queriam mais sentir nos ombros o peso da ética, da moral e da vida de renúncias.
 
Não podemos nos desobrigar dos compromissos éticos. Isso nos conduz a participar inclusive da solução dos nossos problemas. Também implica no abandono do modelo infantilizado de sociedade. Temos que ser corresponsáveis por resolver os problemas nos quais estamos implicados. Isso nos faz mais humanos, assegurando o progresso individual e da humanidade. A solução judicial dos conflitos (por um sistema de Justiça precário e mancomunado com os interesses das classes dominantes) definitivamente é um fator de atraso, não de avanço civilizatório.

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas].

Enquanto houver Democracia, o Judiciário é a esperança

                                                                                                                                            ...